quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Como "Edgar" e "João Alfredo" construíram um pouco do que sou hoje...


Não sei o porquê, mas ultimamente tenho me lembrado muito das minisséries televisivas a que assisti quando era criança. Eu era meio estranho: ao mesmo tempo em que adorava os desenhos animados, como todo pirralho da minha idade, era obcecado por séries e documentários. Mas peraí, viu? Eu não era nenhum moleque “cabeça”, metido a adulto. Sempre achei isso ridículo. Criança precoce demais, sobretudo quando se trata daquela precocidade “forçada” – forçada muitas vezes pelos pais, diga-se – é a coisa mais ridícula do mundo, na minha opinião. Criança é criança, adulto é adulto, jovem é jovem... Como diz o funk do momento, “cada um no seu quadrado”. Ou, como disse Falcão, “homem é homem, menino é menino”.
Pois bem. Uma das minisséries que marcaram minha infância/adolescência foi “Anos rebeldes”, da Rede Globo. Xiii, alguém deve estar pensando: “oxe, e ele não é de direita!?”. Ora, esperem que eu molhe o bico, pelo menos.
Em primeiro lugar, eu era muito jovem quando assisti a minissérie. Não tinha muito senso crítico ainda. Mas mesmo assim eu juro que nunca me deixei contaminar muito pelo endeusamento dos “rebeldes” revolucionários. Na minissérie, pelo que eu me lembro, muitas vezes os conflitos entre os “engajados” e os “alienados” eram desenvolvidos com bons diálogos entre os personagens da trama. Claro que a minissérie mitificou (sim, é sem o S mesmo) os esquerdistas que supostamente lutavam pela democracia (eles lutavam mesmo era pela implantação de uma ditadura “deles”, de esquerda, que seria muuuito pior, se é que se pode fazer esse tipo de comparação), e eu posso ter me seduzido um pouco pela onda dos jovens “cabeças”, mas isso não durou muito. Em muitas ocasiões, eu perguntava ao meu pai, meio confuso: “pai, eu acho que Edgar está certo, você não acha?”. Edgar era o personagem interpretado pelo ator Marcelo Serrado, que crescia profissionalmente trabalhando duro enquanto seu amigo João Alfredo, o “engajado” (Cássio Gabus Mendes), combatia os milicos. Os diálogos foram marcantes para mim, assim como um do filme “O que é isso, companheiro?”, que um dia tratarei em outro post. Eu me perguntava: por que o cara que quer trabalhar e viver sua vida é retratado como um escroto, e o outro é endeusado como o mocinho que tem ideais e luta pelo seu sonho? Pô, o outro também tem seus ideais e também está lutando por eles! Por que dizer que uns ideais são mais nobres do que outros? E eu me lembro muito bem de uma noite, em que eu cheguei pro meu pai e perguntei: “pai, você lutou contra a ditadura?”, e ele me respondeu: “filho, eu até que fui a uns encontros, mas neles só havia porra-louca vagabundo. Preferi ir trabalhar e ganhar meu dinheiro”. Confesso que o “clima” de rebeldia da minissérie tinha me contagiado, e fiquei um pouco decepcionado. Mas depois eu pensei bem e concluí que o meu pai estava certo. Papai teve o seu lado “Edgar” e renegou seu lado porra-louca “João Alfredo”.
A minissérie não me trouxe apenas esses questionamentos. Ela também me fez odiar o regime de repressão, a tortura e a censura. Eu ficava indignado com tudo o que acontecia a mando dos militares. E sempre recorria ao meu pai para saber os detalhes.
“Anos rebeldes” foi muito marcante mesmo para mim. Se no começo eu admirava os rebeldes – era impossível não sentir um mínimo de admiração, tamanho o endeusamento que a minissérie promoveu –, no final eu fui criando um certo abuso, mas sem jamais aceitar os desmandos dos milicos. A garota-problema Heloísa (Cláudia Abreu), com suas doidices e modernices, foi começando a me irritar. Mas sua morte trágica foi um choque.
Tudo isso fez com que “Anos rebeldes” tenha sido um dos programas mais importantes que eu vi na minha infância/adolescência. Aquele misto de sentimentos me deixava muito confuso, porque eu era ainda muito jovem. Eu me sentia culpado por não endeusar o João Alfredo, que eu comecei a achar um chato, um idiota, um bobão. Eu pensava: “pô, mas esse cara tá errado!”. E depois eu ficava indignado com a tortura que os milicos praticavam contra um militante. “Anos rebeldes”, portanto, não foi como “Raízes” e “Fuga de Sobibor”, que mencionei nos posts abaixo. Aquelas duas minisséries me marcaram, mas nenhuma delas me trouxe tanta confusão quanto “Anos rebeldes”. Ao fim da minissérie, eu não sabia se estava certo ou errado em muitas de minhas conclusões. Aliás, eu não conseguia tirar muitas conclusões. Meu pai sofreu, viu? Eu o torpedeava com perguntas e mais perguntas...
Hoje eu sei muito bem o que queriam aqueles “rebeldes”. Hoje eu sei que a ditadura militar brasileira foi um período triste da nossa história. Os porões do DOPS criaram uma chaga que dificilmente a jovem democracia brasileira cicatrizará. A tortura e a censura nos rebaixaram moralmente e nos corarão de vergonha por um bom tempo.
Mas tudo isso jamais vai me fazer não enxergar o mal que os “rebeldes” representavam. Os companheiros que pegaram em armas, no campo e na cidade, e que saquearam, seqüestraram e mataram em nome de uma suposta boa causa revolucionária eram tão perigosos – ou mais! – do que os milicos que editaram o AI-5.
Hoje eu posso dizer, sem dúvida e sem confusão: não se deve ter vergonha de nenhum adulto de hoje que foi um jovem “Edgar”, mas é possível, sim, questionar muitas atitudes de adultos de hoje que agiram como um jovem “João Alfredo”.
E mais: “João Alfredo” hoje deve ganhar uma boa pensão como anistiado político, enquanto “Edgar” continua trabalhando e levando sua vida adiante.
É isso...

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